Claude Piron

Correspondência com jornais brasileiros


Sejam indulgentes, se o português do autor é demais exótico


Jornal do Brasil, 19.05.2005


Prezados Senhores,


Na edição do 16.05.05 Ubiratan Iorio diz que "o esperanto (...) se revelou uma utopia e um fracasso colossal, porque a linguagem que utilizamos é sempre algo espontâneo, (...)" (página 11, "A cartilha das doninhas").


Um fracasso implica que o objectivo definido no começo não esteja atingido. Na presentação do seu projecto, Zamenhof explicou que o seu objectivo era pôr à disposição da gente que o deseja uma língua mais satisfatória que outras como meio de comunicação entre pessoas de línguas diferentes (Dr Esperanto, Jezyk miedzynarodowy, Varsovia, 1887, p. 7). Eu comunico em esperanto com gente de mais de cem países, cujas línguas não possuo. Nesta situação o acho muito mas satisfatório que o inglês. O objectivo está realizado. Falar de "fracasso colossal" é deformar a realidade.


Quanto à espontaneidade, é um fato que sou muito mais espontâneo em esperanto que em outras línguas estrangeiras que tenho aprendido, como o inglês ou o português. Simplesmente porque numa língua sem excepção, sem derivação aberrante, sem verbo irregular, o que fala não tem de hesitar, de perguntar-se constantemente qual é a forma correcta : pode fiar-se nos seus reflexos, sabe que não se enganará. Tem confiança na língua, e em si mesmo. A confiança é a base da espontaneidade.


O autor do artigo acrescenta : "A linguagem que utilizamos (...) deriva de nossos usos e costumes e não pode ser imposta do alto de cátedras nem de gabinetes oficiais". Isso é verdade ao nivel nacional, não na comunicação internacional. Tenho frequentemente que utilizar o inglês, e isso não deriva dos usos e costumes da minha família e não corresponde a um gosto pessoal (em inglês, como em português, sou sempre inferior aos para quem é a língua materna). O inglês me é imposto do alto dos gabinetes dos que têm o poder económico e político, e duma sociedade que o tem escolhido (si pode falar-se duma escolha) por razões que são nem democráticas, nem razoáveis dum ponto de vista económico ou prático. O carácter irracional da ortografia inglesa, por exemplo, costa à humanidade muito mais, em tempo, em preocupações, em mau humor, do que exige uma gestão inteligente das relações internacionais. Por isso prefero o esperanto. É a única língua na qual todos são iguais, qualquer seja o país de origem. Gosto do português, não gosto tanto do inglês, mas a lingua para a qual tenho mais afeição, depois da minha língua materna, é o esperanto, que utilizo cada dia sem constatar o seu "fracasso colossal".


Atenciosamente,
Claude Piron, autor de "O desafio das línguas" (Campinas : Pontes, 2002)


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Resposta de CP à resposta de Ubiratan Iorio


Prezado Senhor,


<< Não conheço o futuro, mas estudei o passado. >>


Eu tambêm estudei o passado. Considerando o que se passou no caso dos algarismos romanos e arábicos (que têm muito comum com o inglês e o esperanto respectivamente), da historia da escravatura, do sistema métrico e de muitas outras contribuições ao progresso humano, penso que o esperanto será a língua internacional de amanhã (o é já hoje em dia para muitas pessoas). O sistema métrico foi proposto por a primeira vez por Gilbert Mouton em 1647. Depois de 120 anos, em 1767, era só o brinquedo de alguns extravagantes. O projecto de língua internacional, que progressivamente, por causa do uso quotidiano, se transformou numa língua viva e rica, e que o público chamou "esperanto", foi publicado em 1887. Menos de 120 anos mais tarde, há gente que pratica essa língua na maior parte das cidades de mais de cem paises. O seu sucesso é superior ao sucesso do sistema métrico depois dum período comparável. O seu ritmo é exponencial : muito lento ao começo, e cada vez mais rápido depois dum certo limiar. Há nos fenômenos sociais uma massa crítica que corresponde a esse limiar. A progressão do esperanto em todas as frentes é tal (especialmente desde o Internet) que é totalmente verossímil que se aproxima dessa massa crítica. Se tenho razão, será divertido ouvir inúmeras pessoas terem como ponto de honra dizer que sempre foram favoráveis ao esperanto e que nunca entederam por que tantos indivíduos casmurros, cegados por os seus preconceitos, gastaram, por tanto tempo, tanta energia para negar a evidência.


Atenciosamente,
CP


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Resposta de CP (25.05.2005) à resposta de Ubiratan Iorio


Prezado Antiesperantista e porém Amigo,


<< É uma língua de laboratório >>


Isto é o seu erro. O esperanto é uma língua jorrada do coração dum menino traumatizado por as violências interétnicas na cidade onde vivia e para quem um meio de comunicação sem superiores e inferiores era indispensável à relações humanas normais nas situações interculturais. Por razões difíceis de compreender, o seu projeto -- só um embrião de língua, muito incompleto -- foi adoptado por gente dos países mais diversos que o utilizaram para comunicar duma região linguística à outra e, usando-lo, lhe deram vida. O esperanto de hoje não é uma língua de laboratório. E o resultado dum processo colectivo, anónimo, em grande parte inconsciente, de formação linguística.


De gustibus non disputatur. Sou alguém que não gosta do inglês. Não gosto da sua pronunciação, e não gosto de como se escreve. As letras w e y, e as combinações th e ph, são para mim horríveis, chocam o meu sentido estético. Sei que é um gosto puramente subjectivo, e respeto toda a gente que não o partilha, mas é um fato. Agrada-me que essas letras não existem no esperanto. Entre physics e fíisica ou fiziko, não hesito um segundo. Mas reconheço que são coisas que não se discutem.


Cordial abraço,
CP


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Veja, 13.05.2005


Prezado Sr Redactor-Chefe,


Na seção "Cartas" da Edição 1904, o leitor Ron Martinez afirma que o esperanto é uma língua morta. Quais são os seus critérios que definem a vida ou a morte duma língua ? Segundo os critérios que me parecem mais objectivos, o esperanto é uma língua viva, muito mais que o globês. Em esperanto tem programas radiofónicos quotidianos (veja http://esperanto-panorama.net/portugala/radio.htm ; para os programas quotidianos da China em esperanto: http://esperanto.cri.cn/ ), aparecem libros (catálogo: http://katalogo.uea.org) ; aparecem também discos, canções (http://www.vinilkosmo.com), o esperanto se fala cada dia em encontros e reuniões internacionais (http://www.eventoj.hu), o viajante que fala esperanto pode achar familias esperantófonas que o alojarão gratuitamente em praticamente todo o mundo (www.pasportaservo.org/), o leitor de esperanto pode escolher entre dezenas de revistas, o esperanto é uma das línguas oficiais da Academia internacional das ciências (http://www.ais-sanmarino.org/) , etc. Não são estes fatos provas da vitalidade do esperanto? Em nenhum desses sectores o globês está presente e penso como Ron Martinez que acabará em língua morta, mas isso não pode dizer-se do esperanto. É verdade que o esperanto não tem o prestígio do inglês, e é menos utilizado, mais afirmar que está morto é enganar o leitor. A honestidade intelectual exige que uma rectificação seja publicada.


Atenciosamente,
Claude Piron


From: Claude Piron
To: veja@abril.com.br
Sent: Thursday, May 05, 2005 9:34 AM
Subject: "Globish" Veja - número 18 - 04-05-05 p. 124-125


"Masoquistas de tudo o mundo, uni-vos!" Quando se pode escolher entre uma língua rica que pode dominar-se em alguns meses e uma língua pobre, decepcionante e complicada que se pode falar só depois duma longa duração, só masoquistas escolhem a segunda. Tenho comparado o vocabulário do globish publicado por o Sr Nerrière com o vocabulário do esperanto. Para traduzir as 1500 palavras do globish, se necesita só 1300 em Esperanto, e quando você conhece estas 1300 palavras mais cerca de 40 sufixos e prefixos (1340 unidades lexicais) pode formar aproximadamente 13.000 palavras extremamente úteis em discussões de alto nível. Em globish a gente está reduzida a uma língua muito primitiva, que não compreende meios para enriquecer o vocabulário, de modo que quando tenta formular uma ideia complexa, constata que não dispõe dum estoque de palavras bastante vasto para exprimir o seu pensamento. Com menos elementos que aprender, o esperanto ofrece uma língua dez vezes mais rica.


O masoquismo não se limita ao vocabulário. Só masoquistas escolhem comunicar em uma língua com a ortografia do globish ou do inglês, quando poderiam escolher o esperanto, que tem só uma letra por cada som e só um som por cada letra. Só masoquistas recomendam uma língua com um acento tónico variável, quando poderiam utilizar o esperanto, no qual nunca teríam de perguntar-se qual sílaba acentuar.  Só masoquistas preferem uma língua com verbos e plurais irregulares, quando a experiência prova que uma língua sem excepções, como o esperanto,  é mais eficaz na comunicação intercultural.


Aprender o esperanto exige muito menos dinheiro, tempo e esforços que adquirir o inglês ou o globish. Eu falava melhor esperanto depois de seis meses que inglês depois de seis anos. Não posso falar do globish, porque não o domino : para alguém que tem aprendido o inglês, saber quais palavras não utilizar é uma tarefa extremamente difícil, e não consigo cumprí-la.


Uma recomendação de todos os governos para que se aprenda o esperanto para a comunicação internacional, ao lado de outras línguas estudadas por razões culturais, libertaria o mundo dos problemas enervantes causados por as barreiras linguísticas. Só masoquistas recusam esta proposta sem comparar objectivamente a relação eficácia/custo dos vários sistemas de comunicação internacional, inclusive o esperanto, e sem controlar como funciona esta alternativa onde está aplicada na prática.


Boa sorte, masoquistas !
Claude Piron


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Gazeta do povo, 16.05.2004


Prezado Senhor,


Alessandro Manfredini considera o esperanto uma utopia. Não estou de acordo. Tenho viajado em todo o mundo, especialmente a serviço da Organização mundial da saúde. Em muitos paises, como Japão, Coréia, Polônia, Uzbequistão, tenho achado o esperanto mais útil que o inglês. Há gente que fala esperanto em quase todas as grandes cidades do mundo, e em muitas pequenas, até na China, na Mongolia, em Togo, nos Estados Unidos, no Brasil.


De todos os meios de comunicar entre os povos, o esperanto é o que oferece a melhor relação custo-benefício. Eu comunicava melhor em esperanto depois de seis meses do que em inglês depois de seis anos. Na hora da globalização, é preciso uma solução equitativa e prática ao problema da comunicação internacional. O inglês não oferece tal solução. O esperanto seria uma utopia só se a humanidade se consistisse de masoquistas. É mais provável que os povos vão a tomar consciência do seu interesse. Em Bruxelas, nos corredores da Europa Unida, que deve funcionar com vinte línguas e onde ninguém quer dar ao inglês um poder desproporcionado, se fala cada dia mais das possibilidades que apresenta o esperanto. A sua superioridade é óbvia a todos os que o comparam na prática com o inglês e com a interpretação simultânea. Nós não podemos indefinidamente ficar cegos à frente dum fato tão fácil de ver. Também o sistema métrico ainda parecia uma utopia um século depois de ter sido proposto. Hoje tem conquistado o mundo. Muitos indicios sugerem que o esperanto vá a conhecer um desenvolvimento semelhante.


Atenciosamente,
CP